Uma massa gelatinosa com reflexos azulados, na areia de uma praia da prefeitura de Miyagi (Japão): foi isto que chamou a atenção de um biólogo durante um simples passeio.
Este encontro revelaria muito mais do que um simples resíduo orgânico arrastado pelas ondas. O objeto intrigante, com cerca de vinte centímetros, possuía uma estrutura delicada e uma coloração incomum para a região. A sua simples presença nesta zona temperada do nordeste do Japão levantou imediatamente questões sobre a sua origem e natureza, sugerindo um significado científico que ia muito além da sua aparência frágil.
Imagem central: colónia completa mostrando o flutuador cheio de gás e os tentáculos (escala 5 cm). A) Vista lateral do flutuador, com uma crista pregueada e uma vela transparente. B) Vista aproximada da zona dorsal, mostrando os grupos de gonodendros, palpos tentaculares e gastrozooides com extremidade amarela. C) Tentáculos principais apresentando o seu enrolamento característico. D) Organização dos grupos de zooides: zona posterior com seis grupos e um protozoide, zona principal com grupos tripartidos apertados. E) Close dos gastrozooides alongados, terminados por uma extremidade amarela em forma de bolha.
Esta descoberta fortuita, realizada por Yoshiki Ochiai da Universidade de Tohoku, marca um avanço notável na biologia marinha. O organismo, inicialmente confundido com uma água-viva, revelou-se pertencer ao género das caravelas-portuguesas, criaturas frequentemente temidas pelo seu veneno. A análise aprofundada publicada na Frontiers confirmou que se tratava de uma espécie completamente nova, batizada de Physalia mikazuki. Esta identificação inédita em águas tão setentrionais indica transformações importantes nos ecossistemas marinhos, potencialmente ligadas a modificações ambientais globais.
Uma identificação científica inesperada
O exame minucioso em laboratório permitiu distinguir características morfológicas únicas neste espécime. A caravela-portuguesa, esta vesícula cheia de gás que permite a flutuação, apresentava uma forma distinta das outras espécies conhecidas. Os investigadores também notaram a presença de vários tentáculos principais e de gastrozoides amarelos em forma de banana, estruturas digestivas ausentes nos seus congéneres. Estas diferenças estruturais significativas alertaram imediatamente os cientistas para a singularidade da sua descoberta.
As análises genéticas realizadas pela equipa confirmaram definitivamente o estatuto de espécie distinta de Physalia mikazuki. O sequenciamento de ADN revelou marcadores únicos que não correspondiam a nenhuma sequência referenciada nas bases de dados internacionais. Esta abordagem molecular, combinada com o estudo morfológico tradicional, constitui agora o método padrão para identificar e classificar espécies crípticas, organismos morfologicamente semelhantes mas geneticamente distintos.
A) Mapa do Japão localizando Miyagi. B) Mapa de Miyagi com a baía de Sendai, local de recolha na praia de Gamo. C) Imagem de satélite da praia de Gamo com os três pontos de amostragem (D–F). D–F) Fotos das três zonas da praia (norte, centro, sul), mostrando níveis variáveis de detritos. G–I) Exemplares de P. mikazuki sp. nov. encalhados, com indicação do seu tamanho. J) Distribuição dos tamanhos das 38 colónias recolhidas. K–L) Excertos de uma reportagem televisiva mostrando Physalia encalhadas, incluindo um indivíduo correspondendo antes a P. utriculus. M) Placa de alerta sinalizando a presença de Physalia mais a norte, em Shizugawa. N) Espécime de Okinawa (2025) apresentando características morfológicas diferentes de P. mikazuki sp. nov.
A denominação escolhida, que se pode traduzir por "caravela-portuguesa do capacete em crescente", presta homenagem ao legado cultural local em referência ao famoso samurai Date Masamune. Esta escolha não é inocente, pois inscreve a descoberta no património histórico da região de Tōhoku. Esta denominação respeita as convenções taxonómicas enquanto cria uma ligação simbólica entre a nova espécie e o território onde foi identificada pela primeira vez.
As implicações biogeográficas de uma migração
A presença desta caravela-portuguesa na baía de Sendai representa a observação mais setentrional já registada para este género. As simulações de deriva realizadas pelos investigadores indicam que o espécime teria sido transportado desde a baía de Sagami pela corrente Kuroshio. Estes modelos oceanográficos reconstituem o percurso provável do organismo seguindo a dinâmica das massas de água e dos ventos dominantes. A precisão destas simulações permite agora antecipar os deslocamentos futuros destas espécies.
O alargamento da área de distribuição das caravelas-portuguesas parece estar diretamente correlacionado com o aumento das temperaturas superficiais oceânicas. O aquecimento progressivo das águas costeiras japonesas cria condições ambientais favoráveis ao estabelecimento de espécies tropicais e subtropicais em regiões tradicionalmente temperadas. Este fenómeno não é isolado, pois afeta também outros organismos marinhos como a água-viva de Nomura, cujas proliferações se tornam mais frequentes e extensas.
As consequências ecológicas e societais desta migração merecem uma atenção particular. O veneno urticante das caravelas-portuguesas representa um risco para os banhistas, necessitando de uma adaptação das medidas de segurança nas praias. Paralelamente, a chegada de novos predadores no ecossistema marinho local poderá modificar os equilíbrios biológicos estabelecidos, com repercussões potenciais na pesca e na biodiversidade indígena.