Num estudo publicado na revista
Nature Ecology and Evolution, cientistas mostram que os genes SAMD9 e SAMD9L, atores chave da imunidade antiviral nos humanos e envolvidos em doenças genéticas raras, partilham fortes semelhanças com sistemas de defesa presentes nas bactérias.
A sua evolução, marcada por perdas e adaptações recentes nos mamíferos, mostra a corrida armamentista milenar entre vírus e hospedeiros. Em alguns primatas, estas evoluções oferecem uma melhor proteção contra a replicação do HIV, abrindo caminhos para compreender melhor as subtilezas da nossa imunidade.
Genes antigos no cerne das defesas antivirais
A imunidade inata intracelular é uma das primeiras barreiras do organismo contra os vírus. Baseia-se em centenas de proteínas capazes de detetar um agente patogénico (chamadas
sensores) e/ou de bloquear a sua multiplicação, os
efetores antivirais.
Entre elas, as proteínas codificadas pelos genes SAMD9 e SAMD9L desempenham um papel chave no ser humano: travam a produção de proteínas virais, nomeadamente as dos poxvírus e dos lentivírus como o HIV. Uma desregulação destes genes, causada por mutações genéticas, pode levar a patologias graves, tais como doenças autoimunes ou certos cancros.
O estudo publicado na revista
Nature Ecology and Evolution lança luz sobre a história evolutiva desta família de genes: duplicações, perdas, evoluções rápidas, tantos sinais de pressões constantes de seleção muitas vezes exercidas pelos vírus. Este fenómeno ilustra uma verdadeira "corrida armamentista" evolutiva: os vírus desenvolvem estratégias para infetar, enquanto os hospedeiros reforçam as suas defesas, levando cada um a evoluir constantemente.
Das bactérias aos primatas, uma evolução convergente das defesas antivirais
Combinando análises genéticas e estruturais sobre dados públicos de uma vasta gama de espécies (bactérias, animais, incluindo primatas), os cientistas puderam mostrar que proteínas análogas às SAMD9 existem até nas bactérias.
Nestas últimas, estas proteínas chamadas Avs participam na defesa contra os vírus que infetam as bactérias (os bacteriófagos). Experiências laboratoriais permitiram mostrar que quando uma Avs9 (a mais semelhante à SAMD9) é ativada, provoca a morte da bactéria, um "suicídio altruísta" que impediria a propagação do vírus. A semelhança estrutural com as SAMD9 humanas sugere uma evolução convergente: a natureza teria encontrado, repetidamente, soluções semelhantes para contrariar as infeções virais, apesar de milhares de milhões de anos de separação entre bactérias e mamíferos.
Numa escala mais recente, nos primatas, a evolução destes genes revela igualmente um passado evolutivo conflituoso, com episódios de perdas conforme as espécies. Por exemplo, embora SAMD9 e SAMD9L sejam ambos essenciais no ser humano, os bonobos, nossos parentes próximos, perderam o SAMD9. Esta perda é recente e alguns indivíduos portam mesmo ainda os dois genes, SAMD9 e SAMD9L.
Descoberta surpreendente, os testes efetuados pelos cientistas em células humanas mostram que as versões do gene SAMD9L nos chimpanzés e bonobos são mais eficazes do que a do ser humano contra a replicação do HIV. Estas adaptações poderão refletir uma adaptação a antigos lentivírus, contribuindo para uma forma de resistência natural nestas espécies.
Este estudo revela assim que os nossos mecanismos antivirais têm raízes muito antigas, semelhantes até no mundo bacteriano, e que continuam a evoluir face às ameaças virais.
Compreender estas dinâmicas, que ligam as defesas ancestrais e as adaptações modernas, poderá um dia inspirar novas abordagens terapêuticas contra as infeções virais humanas, como o HIV.