Publicado por Adrien, Fonte: CERN Outras Línguas: FR, EN, DE, ES
E se o bóson de Higgs não se limitasse a dar massa apenas às partículas mais pesadas? Um novo estudo do CERN explora sua relação com os quarks da matéria comum. Um avanço possibilitado pela IA.
A colaboração CMS do CERN acaba de dar um novo passo na compreensão do bóson de Higgs, investigando seu decaimento em um par de quarks charm (quarks c). Esse avanço pode nos ajudar a entender melhor como essa partícula misteriosa confere massa à matéria.
Fotografia do experimento CMS (Imagem: CERN)
O bóson de Higgs, descoberto em 2012 graças ao Grande Colisor de Hádrons (LHC), está no cerne do Modelo Padrão da física de partículas, pois explica por que as partículas têm massa. Até agora, os cientistas confirmaram que o Higgs interage com os quarks mais pesados (top e bottom). Mas, para quarks mais leves – como o quark charm, o quark up ou o quark down, que compõem a matéria comum –, as evidências ainda são escassas.
Para avançar, os pesquisadores observam como o bóson de Higgs se transforma após sua criação, especialmente quando decai em quarks. Recentemente, em um seminário no CERN, a colaboração CMS apresentou uma análise inédita: eles buscaram detectar eventos em que um bóson de Higgs é produzido com dois quarks top e depois decai em dois quarks charm. Para isso, utilizaram ferramentas de inteligência artificial de última geração.
Detectar esse tipo de evento não é simples. Os quarks, logo após sua criação, se transformam em jatos de partículas chamados "jets", que são muito parecidos entre si. Diferenciar um jet originado de um quark charm daqueles produzidos por outros quarks é extremamente difícil. Métodos convencionais não são suficientes. Por isso, foi necessário inovar.
"Repensamos completamente nossa forma de analisar esses dados", explica Sebastian Wuchterl, pesquisador do CERN. "Como os quarks charm são ainda mais discretos que os quarks bottom, usamos algoritmos de aprendizado de máquina de última geração para isolar seus traços entre outros eventos."
Os físicos utilizaram dois tipos de algoritmos. O primeiro, uma rede neural gráfica, ajuda a identificar os famosos jets dos quarks c. O segundo, um transformador (similar ao usado pelo ChatGPT, mas aqui para classificar eventos), auxilia a distinguir os sinais de decaimento do Higgs do ruído de fundo. Essas ferramentas foram treinadas com centenas de milhões de dados simulados para serem o mais precisas possível.
Graças aos dados coletados entre 2016 e 2018, combinados com análises anteriores, a equipe CMS conseguiu estabelecer os limites mais rigorosos já obtidos sobre como o bóson de Higgs poderia interagir com o quark charm. Em resumo, reduziram a incerteza em 35% em relação a resultados anteriores – um progresso significativo para testar as previsões da teoria atual.
"É um avanço importante", afirma Jan van der Linden, pesquisador da Universidade de Ghent. "Com mais dados nos próximos anos e ferramentas ainda melhores, poderemos finalmente observar diretamente essa interação entre o Higgs e os quarks charm – algo que parecia impossível há pouco tempo."
À medida que o LHC continua seus experimentos, as melhorias na identificação dos quarks c e na classificação de eventos abrirão caminho para futuras descobertas. O CMS, assim como o ATLAS – outro grande experimento do LHC –, pode em breve confirmar que o bóson de Higgs decai mesmo em quarks charm. Isso representaria um novo passo para entender completamente como todas as partículas de matéria adquirem massa, além de testar mais profundamente um modelo teórico de 50 anos.