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Tempo e cérebro: como nossa percepção nos faz viajar no tempo ⏳
Publicado por Adrien, Fonte:The Conversation sob licença Creative Commons Outras Línguas: FR, EN, DE, ES
Por Laurent Perrinet, pesquisador CNRS em Neurociências Computacionais, Aix-Marseille Université (AMU)
Quando observamos uma ampulheta, quando fixamos nosso olhar nos grãos de areia que caem, temos a sensação de que o tempo flui de forma contínua. Pensamos que isso é assim desde o início do mundo e que nada pode contradizer essa verdade universal.
Ben White/Unsplash
No entanto, nossas percepções sensoriais e os neurônios que as originam têm uma maneira completamente diferente de marcar o tempo. Uma maneira subjetiva e sensual, no sentido literal da palavra.
O exemplo da visão
Para explicar melhor esse "tempo dos sentidos", vou dar o exemplo da visão. Ela funciona de forma imediata e sem esforço, com um aprendizado rápido, eficaz, automático. Não é necessário um manual de instruções para aprender a ver! Mas, na realidade, o sistema visual precisa superar muitas dificuldades para alcançar essa eficiência. Dificuldades perceptíveis quando se trabalha em um sistema de visão artificial, por exemplo, para tornar um smartphone mais inteligente ou para tornar autônomos os carros do futuro.
Vejamos, por exemplo, a ilusão chamada ilusão do flash retardado. Veja esta cena: o ponto vermelho se move pela tela e depois você verá aparecer um flash verde quando o ponto vermelho estiver alinhado verticalmente com o ponto verde.
A ilusão do flash retardado
A maioria de vocês perceberá que a posição do ponto vermelho está deslocada para a direita em relação ao flash, na direção de sua trajetória. Observe novamente: de forma equivalente, o flash é percebido em atraso em relação ao ponto em movimento. No entanto, se olharmos o vídeo em câmera lenta, notamos que a realidade física é diferente. Este dispositivo simples mostra, então, que em vez de serem sincronizados, os objetos visuais podem ser percebidos em momentos subjetivos diferentes e "viajar" no tempo de nossos sentidos.
O mais surpreendente é que essa ilusão é universal, de certa forma está enraizada em nossos sentidos. Então, de onde vem esse "tempo dos sentidos"? Ele tem essa mesma forma linear e contínua que geralmente atribuímos ao tempo? E como sua definição nos ilumina sobre os mistérios do cérebro?
O cérebro, interior escuro
Alguns imaginam a visão como produzindo uma “tela luminosa interna”. Mas, na realidade, exceto pela luz que atinge a retina, a projeção de nosso cérebro que reveste o fundo do olho, não há luz no cérebro. Escuridão total. Solidamente encaixado no espaço hermético do crânio, o cérebro está protegido de qualquer contato direto com o mundo externo. No interior, seus cerca de 10 bilhões de neurônios formam vastas redes, organizadas em múltiplas escalas — desde uma simples população de neurônios até a rede das zonas cerebrais.
Sabemos que toda a informação circula por lá por meio de mensagens eletroquímicos distribuídos pelas membranas das células nervosas. Essas mensagens são constantemente compartilhadas de neurônio para neurônio, dentro de cada rede, graças a numerosas sinapses. E são essas mensagens, e apenas elas, que criam em você, neste exato momento, o acesso simultâneo aos seus sentidos, pensamentos e ações. Ainda é preciso descobrir como essa rede pode se organizar no tempo e como os fluxos de informação são coordenados e sincronizados.
Na escala temporal da percepção, não existe no cérebro um relógio central que dá uma batida síncrona para as diferentes partes, como um maestro. Prova maior de que o cérebro não é comparável a um computador. Devemos, portanto, encarar o fato: como em um grupo de jazz improvisando sobre o mesmo tema, essa capacidade é inata ao cérebro e surge de interações distribuídas e auto-organizadas. Mas quais são os processos em jogo?
Inevitáveis atrasos de transmissão
Voltemos à anatomia do sistema visual. A fisiologia das células nervosas faz com que a velocidade de transmissão da informação em nosso cérebro varie nas diferentes vias de transmissão, atingindo no máximo 100 km/h nas mais rápidas.
Devido ao volume da caixa craniana, isso resulta inevitavelmente em atrasos de transmissão: assim, uma imagem que ilumina a retina excita o córtex visual primário apenas após cerca de 50 milissegundos. Lá, a informação visual é transformada e distribuída para outras áreas do cérebro, o que requer cerca de 50 milissegundos adicionais. Finalmente, a informação transmitida pode gerar uma atividade muscular e, por exemplo, induzir um movimento de sacada ocular após um tempo total de cerca de 150 milissegundos.
Yarenci Hdz/Unsplash, FAL
Tentemos visualizar esses atrasos de propagação com uma tarefa simples. Você segura uma bola na mão direita e a observa cair na mão esquerda por 10 cm: sua queda leva cerca de 150 milissegundos. Sabendo que a imagem está atrasada de 50 a 100 milissegundos em seu córtex visual, isso significa que quando a mão esquerda recebe a bola, a imagem dessa bola que o córtex recebe ainda está no meio de sua trajetória!
Em outras palavras, à semelhança das estrelas cuja luz só nos alcança ao final de uma jornada de vários anos, é uma imagem passada da bola que atinge nosso córtex visual. Para o cérebro, isso é um verdadeiro problema. Sabendo o intervalo entre a decisão e a ação, para fechar a mão no momento certo sobre a bola, a decisão precisa ser tomada antecipadamente. A ação futura, como formada no presente, deve, portanto, ser construída a partir do passado... Complicado, não?
Um quebra-cabeças temporal
Estamos diante de um verdadeiro quebra-cabeças temporal. De um lado, o tempo absoluto e externo é inacessível aos neurônios envolvidos na captura da bola, exceto os neurônios sensoriais. Do outro, o tempo subjetivo e interno está sujeito ao bom funcionamento do cérebro e à sincronização das informações passadas, presentes e futuras. Este problema científico parece muito complexo para ser resolvido...
Recapitulando: em geral, os sistemas físicos se transformam trocando energia e matéria com o ambiente. Ora, em todo sistema, de acordo com a segunda lei da termodinâmica, a desordem medida pela entropia deve aumentar. Por isso, há uma assimetria no fluxo do tempo, ou seja, uma flecha do tempo. Como resultado, se filmarmos uma partida de bilhar, acharemos essa sequência fora do lugar se a projetarmos ao contrário. Contudo, entre todos os sistemas físicos, há uma classe que adquiriu a propriedade de "subir" essa flecha do tempo: os seres vivos.
robert zunikoff/Unsplash
Em comparação às bolas de bilhar, e mais amplamente aos sistemas passivos, o ser vivo corresponde aos sistemas cuja organização permite preservar sua estrutura pelo maior tempo possível. Um sistema assim é, então, capaz de contrariar o fluxo constante de aleatoriedades imposto pela flecha do tempo, interagindo com seu ambiente por meio de vários processos. Esses processos, que se opõem ao acaso, são chamados preditivos. E, teoricamente, eles podem se sobrepor e interagir em diferentes escalas de espaço e tempo: seleção natural para uma espécie, aprendizado para um indivíduo ou simplesmente predição, como analisamos aqui.
Retornemos à nossa ilusão visual. Explicamos isso pelos atrasos de transmissão de informações, na ordem de 50 a 100 milissegundos, dentro do sistema visual. O sistema perceptivo, então, faz o melhor que pode para compensar esse atraso sistemático e prever a trajetória dos elementos vistos. E a imagem de um ponto em movimento seria, portanto, projetada à frente de sua posição física.
A necessária manipulação das informações
No final, nosso sistema visual faz apenas interpretar a imagem transmitida pela retina, para torná-la mais próxima daquela que ele estima ver no momento presente: conhecendo os atrasos de transmissão da visão e a velocidade do ponto, ele "manipula" sua posição em sua trajetória e, portanto, "avança" o ponto vermelho para sua posição presente. No entanto, há ainda um problema: como explicar que o ponto verde, no momento do flash, não seja deslocado temporalmente da mesma maneira? Em outras palavras, de onde vem a diferença no processamento sensorial entre o ponto em movimento e o flash luminoso?
Como já mencionamos, nosso sistema visual possui vários sistemas preditivos que se baseiam nas informações adquiridas pela experiência. Nosso cérebro pode aprender que um objeto pode seguir uma trajetória coerente (como no caso da bola ou do ponto), ou ainda que o nariz está no meio da cara, que a luz natural geralmente vem de cima, etc.
A ideia de um cérebro preditivo, dotado de um conhecimento "a priori" sobre a estrutura do mundo, parece audaciosa e atraente. Mas podemos formalizá-la, transformá-la em uma teoria matemática e, assim, fornecer uma estrutura conceitual unificada do funcionamento cerebral? A resposta é sim, se acreditarmos nas pesquisas do britânico Karl Friston.
Para esse neurocientista, uma teoria do cérebro preditivo enquadra-se em um contexto teórico mais amplo: o da "minimização da energia livre". Trata-se, segundo seu autor, de uma "formulação matemática da maneira como os agentes biológicos resistem à tendência natural para a desordem" e "mantêm seu estado em um ambiente em mudança". Para isso, eles devem minimizar a entropia e, portanto, “a média de longo prazo da surpresa...”, o que equivale a minimizar a energia livre.
Informações filtradas para melhor prever
Em resumo, trata-se de uma quantidade de informação que mede o grau de surpresa de um sistema, quantidade essa que simplesmente se mede em bits, assim como o tamanho de um arquivo de computador. E nesse novo contexto teórico, podemos descrever todo comportamento (ação, percepção, aprendizado...) como uma minimização dessa quantidade de surpresa para determinar a melhor direção para "resistir" à flecha das aleatoriedades. Mais importante, o princípio de minimização da energia livre permite descrever e prever fenômenos que anteriormente eram difíceis de explicar, tanto no comportamento de animais ou humanos quanto no funcionamento do cérebro.
No entanto, não existia um modelo explícito do tempo dos sentidos. É isso que tentamos esboçar aqui. Esse tempo dos sentidos permite explicar a ilusão do flash retardado, diferenciando o ponto em movimento, que é previsível, e o flash, cujo momento de aparição é imprevisível.
Mas ele também é útil ao cérebro para prever trajetórias mais complexas: por exemplo, a de uma bola que sabemos que reaparecerá após passar atrás de uma parede e se tornar temporariamente invisível. Com esse modelo, que possui um processamento hierárquico semelhante ao existente entre as diferentes áreas cerebrais, abrimos espaço para outras facetas da representação do tempo no cérebro, ou até para formas diferentes do normal, como em indivíduos esquizofrênicos.