As cidades são frequentemente mais quentes do que seus arredores, um fenômeno conhecido, mas cujas causas precisas continuam a ser exploradas. Entre os muitos fatores, a influência dos veículos estacionados começa a ser melhor compreendida, revelando surpresas sobre sua contribuição para o aquecimento local.
Os espaços urbanos carecem de vegetação, que refresca naturalmente o ar por evapotranspiração, um processo em que as plantas liberam água na atmosfera. Em contrapartida, os edifícios e as estradas absorvem e retêm o calor solar, criando o que se chama de efeito de ilha de calor urbana. Até agora, pouca atenção tinha sido dada aos carros, ainda que onipresentes nos centros urbanos.
Diferenças de temperatura do ar (ΔT) nas proximidades de um carro preto e de um carro branco. Os dois carros estavam orientados de sul a norte (de trás para a frente) e cada um estava isolado e situado sobre um estacionamento asfaltado. As medições foram realizadas em 23 de julho de 2024 entre 13h40 e 14h12. As condições eram calmas (velocidade média do vento < 1 ms −1 ) e claras (insolação média recebida de 1005 Wm-2). Crédito: City and Environment Interactions (2025). DOI: 10.1016/j.cacint.2025.100232
Um estudo recente realizado em Lisboa mediu o impacto térmico dos carros estacionados. Os pesquisadores compararam um carro preto e um branco, deixados ao sol num estacionamento asfaltado. Eles registraram as temperaturas em vários locais, descobrindo que o carro preto aumentava a temperatura do ar em quase 4 graus Celsius em relação ao asfalto adjacente, enquanto o branco tinha um efeito menor, por vezes até negativo.
A cor dos veículos desempenha assim um papel chave, pois as superfícies escuras absorvem mais a luz solar, enquanto as claras refletem uma grande parte. Os carros brancos podem refletir até 85% da luz, reduzindo assim sua contribuição para o calor ambiente. Além disso, a fina camada metálica das carroçarias aquece rapidamente, amplificando este efeito nas zonas densamente povoadas.
Ao analisar os dados de estacionamento e circulação, a equipa estimou que, se todos os carros fossem brancos, a reflexão global da luz, ou albedo, poderia quase duplicar em algumas partes da cidade, diminuindo significativamente a absorção de radiação solar. Isso abriria caminho para estratégias de planeamento urbano focadas na redução do calor, como o uso de revestimentos refletores ou estruturas de sombreamento.
Os autores propõem medidas práticas, tais como restrições baseadas na cor dos veículos em zonas sensíveis ao calor, ou o incentivo a revestimentos refletores. Combinadas com outras abordagens como a plantação de árvores ou os telhados verdes, estas ações poderiam atenuar o efeito de ilha de calor, melhorando o conforto e a saúde nas cidades.
Impactos dos carros nos ambientes urbanos, adaptado de fontes científicas. Crédito: City and Environment Interactions (2025). DOI: 10.1016/j.cacint.2025.100232
Albedo e reflexão da luz
O albedo é uma medida da capacidade de uma superfície refletir a luz solar, variando de 0 (absorção total) a 1 (reflexão total). As superfícies com albedo elevado, como a neve ou os telhados brancos, refletem uma grande parte da energia solar, enquanto as superfícies com albedo baixo, como o asfalto escuro, a absorvem, contribuindo para o aquecimento.
No meio urbano, o albedo influencia diretamente a temperatura ambiente. Por exemplo, um carro branco com um albedo de cerca de 0,8 reflete até 80% da luz, reduzindo o seu impacto térmico, ao contrário de um carro preto com um albedo próximo de 0,1, que absorve quase toda a energia e aquece o seu ambiente.
Aumentar o albedo global das cidades através de materiais refletores pode diminuir significativamente o efeito de ilha de calor. Isso implica repensar as escolhas de cores para os veículos, edifícios e revestimentos de solo, a fim de maximizar a reflexão e minimizar a absorção de calor.
Esta abordagem faz parte das soluções passivas de arrefecimento, complementares a outras medidas como o sombreamento e a vegetalização, para criar espaços urbanos mais frescos e económicos em energia, sem necessitar de sistemas de ar condicionado dispendiosos.