Embora milhões de pessoas em todo o mundo tomem Ozempic ou medicamentos semelhantes para perder peso, ainda não se sabia como essas moléculas conseguem reduzir o apetite.
O mistério em torno desta questão acaba de ser parcialmente esclarecido. De fato, em
um estudo recentemente publicado na revista
Neuroendocrinology, uma equipe de pesquisa da Universidade Laval anunciou a descoberta de uma nova família de neurônios que estaria no centro do efeito supressor de apetite desses medicamentos.
"O Ozempic e seus análogos foram desenvolvidos para o tratamento de diabetes tipo 2. Foi observando que esses medicamentos provocavam perda de peso que as companhias farmacêuticas começaram a considerar seu uso contra a obesidade, sem entender o mecanismo subjacente", explica o líder do estudo,
Alexandre Caron, professor na Faculdade de Farmácia da Universidade Laval, pesquisador no Instituto Universitário de Cardiologia e Pneumologia de Quebec e titular da Cadeira de Pesquisa do Canadá em Farmacologia Neurometabólica.
A molécula ativa do Ozempic é o semaglutido, ele lembra. É um análogo do hormônio GLP-1 produzido naturalmente pelo intestino após uma refeição contendo carboidratos. "Assim como o GLP-1, o semaglutido circula no sangue e chega a uma pequena região do cérebro, chamada núcleo arqueado do hipotálamo, onde atua sobre neurônios para induzir a sensação de saciedade", aponta o pesquisador.
Estudos anteriores sugeriam que um dos sistemas regulatórios do apetite mais poderosos se encontrava justamente nesta região do cérebro. "Já se conhecia a existência de duas famílias de neurônios que intervinham nesse sistema, uma que estimula o apetite e outra que induz à sensação de saciedade, lembra o pesquisador. No entanto, suspeitava-se da existência de um terceiro grupo de neurônios com uma ação a montante dos dois primeiros. Nossos trabalhos permitiram identificar e caracterizar uma nova família de neurônios que seria esse elemento faltante."
Esses neurônios, chamados CRABP1 devido à proteína homônima que produzem, encontram-se principalmente no núcleo arqueado do hipotálamo. Eles se distinguem pela abundância de seus receptores membranares capazes de se ligar ao hormônio GLP-1 ou a moléculas análogas como o semaglutido.
"As experiências que conduzimos em camundongos mostram que a atividade desses neurônios é reduzida após uma refeição, assim como após a injeção de liraglutida, uma molécula semelhante ao semaglutido. A ligação entre essa molécula e os receptores GLP-1 'faz crer' a esses neurônios que houve ingestão de uma refeição, o que levaria à produção de sinais de saciedade no cérebro", avança o professor Caron. O Ozempic e seus derivados, Rybelsus, Wegovy, assim como Mounjaro, utilizariam o mesmo modo de ação.
"Nossa pesquisa nos permite ter um melhor retrato da mecânica fina desses medicamentos supressores de apetite. Além disso, ela destaca a existência de uma nova população de neurônios que poderia servir como alvo para aprimorar as moléculas supressoras de apetite existentes, reduzindo particularmente seus efeitos colaterais, ou para desenvolver novas moléculas", resume o pesquisador.
O estudo publicado na
Neuroendocrinology é assinado por Olivier Lavoie, Audrey Turmel, Paige Mattoon, William James Desrosiers, Julie Plamondon, Natalie Jane Michael e Alexandre Caron.