E se pudéssemos usar a inteligência artificial para desvendar os detalhes moleculares complexos das reações químicas?
Esse é o feito realizado por químicos do laboratório "Pasteur" em duas publicações nas revistas
PNAS e
JACS. Ao propor um método sistemático para treinar neurônios artificiais capazes de superar as limitações atuais das simulações moleculares, eles lançam um novo olhar sobre duas reações cruciais da química pré-biótica.
As reações químicas são eventos fugazes na vida das moléculas, e observá-las diretamente é um verdadeiro desafio experimental, mesmo com um "microscópio" superpoderoso. As simulações moleculares são a melhor ferramenta para acompanhar esses eventos à nossa vontade. No entanto, elas enfrentam dois desafios.
Em primeiro lugar, acompanhar eventos reativos em tempo real significa resolver a equação de Schrödinger
* milhões de vezes, o que é impossível. Em segundo lugar, mesmo após um esforço de cálculo tão imenso, apenas um punhado de observações seria obtido. Ora, para obter uma imagem precisa de uma reação química e sua termodinâmica, a física estatística nos ensina que são necessárias centenas de observações, pois os sistemas atômicos são probabilísticos.
Em dois estudos separados com metodologias similares, químicos do laboratório PASTEUR (CNRS/ENS Paris/Paris Sciences et Lettres/Sorbonne Université) utilizaram uma abordagem emergente de inteligência artificial para superar essas limitações. A ideia é treinar uma rede de neurônios artificiais para resolver a equação de Schrödinger para todas as estruturas possíveis encontradas durante uma dada reação química, superando assim as limitações atuais das simulações moleculares.
Um elemento crítico para o sucesso da abordagem é identificar, selecionar e organizar corretamente os dados relevantes para o treinamento. Os cientistas propõem um método padronizado e robusto, adaptado para estudar a reatividade química. O resultado? Uma abordagem que preenche a lacuna entre os mundos da física quântica e da física estatística a um custo de cálculo modesto (e, portanto, com uma pegada de carbono baixa).
Esses trabalhos, publicados nas revistas
PNAS e
JACS, abrem o caminho para uma modelagem muito mais acessível das reações químicas em fase condensada. Os cientistas ilustram suas metodologias com duas reações fundamentais da vida: a formação de uma ligação peptídica necessária para a síntese de proteínas e a formação de uma ligação fosfoéster para a síntese de ácidos nucleicos. Eles puderam assim destacar os caminhos de reação mais favoráveis para essas duas reações, algo que os estudos experimentais não conseguem mostrar diretamente.
Esses resultados aparecem como uma primeira etapa em direção à compreensão das condições físico-químicas ideais para essas reações energeticamente muito desfavoráveis e, portanto, muito improváveis. No entanto, essas reações levaram à formação das primeiras unidades básicas da vida há pouco mais de quatro bilhões de anos, em um contexto onde os catalisadores da vida (as enzimas) ainda não existiam, e em condições catalíticas que ainda precisam ser determinadas.
*A equação de Schrödinger (Erwin Schrödinger, 1925) é uma equação fundamental em física que descreve o estado quântico de um sistema.
Escrito por: AVR
Referências:
Prebiotic chemical reactivity in solution with quantum accuracy and microsecond sampling using neural network potentials.
Z. Benayad, R. David, G. Stirnemann.
Proceedings of the National Academy of Sciences 2024
https://doi.org/10.1073/pnas.2322040121
Competing reaction mechanisms of peptide bond formation in water revealed by deep potential molecular dynamics and path sampling.
R. David, I. Tuñón, D. Laage.
Journal of the American Chemical Society 2024
https://doi.org/10.1021/jacs.4c03445