đŸ›Ąïž O paradoxo das gangues de rua

Publicado por Adrien,
Fonte: Université Laval
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Quando se pergunta a jovens delinquentes por que se juntaram a uma gangue de rua, muitos respondem que estavam em busca de proteção.

Essa resposta pode surpreender quando se sabe que, segundo vĂĄrios estudos, os membros de gangues de rua e aqueles afiliados a esses grupos correm maior risco de serem vĂ­timas de atos violentos. Esse paradoxo intrigava Yanick Charette, professor da Escola de Serviço Social e Criminologia, que buscou entender melhor as dinĂąmicas de violĂȘncia dentro desses grupos criminalizados.


Algumas pessoas entram para uma gangue de rua acreditando estar mais protegidas da violĂȘncia. No entanto, segundo os dados, um membro de gangue tem 5 vezes mais chances de ser vĂ­tima de violĂȘncia do que a população em geral.

Em um artigo publicado no Journal of Criminal Justice, ele apresenta as conclusĂ”es de uma pesquisa realizada em arquivos policiais. Ao analisar relatĂłrios associados a atos violentos cometidos ou sofridos por 1.587 membros de gangues de rua haitianas ou pessoas afiliadas a essas gangues, ao longo de 20 anos em Montreal, Yanick Charette demonstrou que as gangues sĂŁo formadas por diferentes nĂșcleos de relaçÔes e que a violĂȘncia se concentra em alguns desses nĂșcleos.

Ser vĂ­tima de um ato violento raramente Ă© por acaso


VĂĄrios fatores influenciam o risco de ser vĂ­tima de um ato violento, incluindo caracterĂ­sticas individuais, como gĂȘnero, idade, etnia ou nĂ­vel de educação. Segundo um estudo americano, jovens homens negros tĂȘm 12 vezes mais chances de serem vĂ­timas de violĂȘncia do que a população em geral. O princĂ­pio da sobreposição entre delinquente e vĂ­tima (victim-offender overlap) tambĂ©m explica que pessoas que jĂĄ cometeram um crime violento tĂȘm maior probabilidade de se tornarem vĂ­timas de violĂȘncia. Por fim, crimes violentos geralmente sĂŁo cometidos por conhecidos ou por conhecidos de conhecidos.

"Na maioria dos casos, hĂĄ uma ligação entre quem comete um ato violento e sua vĂ­tima. Isso vale para violĂȘncia domĂ©stica, violĂȘncia sexual e tambĂ©m para violĂȘncia armada. Essa ligação pode ser positiva ou negativa, ou seja, o conhecido pode ser um aliado ou um rival. E a ligação pode ser direta ou indireta. Em outras palavras, se Paulo conhece Jorge, que conhece Alberto, hĂĄ uma ligação entre Paulo e Alberto, mesmo que nĂŁo se conheçam", explica Yanick Charette.

NĂșcleos de violĂȘncia e nĂșcleos de proteção


Pesquisas jĂĄ mostraram que o risco de ser vĂ­tima de violĂȘncia Ă© cerca de 5 vezes maior em uma gangue de rua do que na população em geral. No entanto, esses estudos nĂŁo analisaram o risco para um indivĂ­duo com base em sua posição dentro do grupo. "Esses grupos sĂŁo heterogĂȘneos e compostos por vĂĄrios microcosmos com estruturas diferentes. Nossa hipĂłtese era que o risco nĂŁo estava distribuĂ­do igualmente em uma gangue e que dependia da rede de relaçÔes que um indivĂ­duo mantĂ©m com outros membros de um grupo criminalizado", relata o professor Charette.

Os resultados do estudo confirmam sua hipĂłtese. Eles revelam uma forte correlação entre os microcosmos que usam violĂȘncia e aqueles que a sofrem. "Assim, nĂŁo hĂĄ uma hierarquia entre grupos agressores e grupos vĂ­timas. Pelo contrĂĄrio, grupos com alta concentração de agressores tambĂ©m apresentam alta concentração de vĂ­timas", explica Yanick Charette. Estabelecer relaçÔes com criminosos violentos ou vĂ­timas de crimes aumenta, portanto, o risco de se tornar vĂ­tima de violĂȘncia. Esse risco elevado persiste atĂ© 3 graus de distĂąncia, ou seja, a ligação entre si e o conhecido de um conhecido de um conhecido. AlĂ©m disso, os efeitos diminuem significativamente. "Observamos que as retaliaçÔes entre gangues raramente ultrapassam esses 3 graus de distĂąncia", observa Yanick Charette.

Outra descoberta Ă© que nĂŁo apenas a existĂȘncia de uma ligação entre pares influencia o risco, mas tambĂ©m a forma como essas ligaçÔes sĂŁo estabelecidas. "Em uma gangue de rua, nem todos os membros cometem atos violentos. Por exemplo, hĂĄ delinquentes que nĂŁo participam de confrontos armados, mas que lidam apenas com o trĂĄfico de drogas. Esses podem ver seu risco de sofrer violĂȘncia diminuir, dependendo da densidade de suas ligaçÔes com a rede", explica o pesquisador.

Em um grupo, as inter-relaçÔes podem ser classificadas como abertas ou fechadas. Basta que trĂȘs pessoas se conheçam mutuamente para formar um nĂł fechado, chamado de trĂ­ade. "Quanto mais trĂ­ades existem em um microcosmo, mais densa Ă© a rede de relaçÔes", diz ele. E pertencer a uma rede com vĂĄrias trĂ­ades oferece certa proteção social.

Um paradoxo explicado


A motivação de entrar para uma gangue como forma de proteção já não parece tão absurda e paradoxal quanto poderia parecer à primeira vista. Uma proteção – ou pelo menos uma situação muito menos arriscada do que se pensava erroneamente ser generalizada – parece de fato emergir dos microcosmos não violentos dentro das gangues de rua. Provavelmente, essa dinñmica relacional explica o paradoxo e incentiva algumas pessoas a se afiliarem a esses grupos.

Compreender melhor as dinĂąmicas da violĂȘncia dentro das gangues de rua permite identificar melhor os membros desses grupos que estariam mais propensos a abandonar crimes violentos, reduzindo assim a escalada da violĂȘncia. Com base nessas conclusĂ”es e em outros estudos similares, medidas de prevenção Ă  violĂȘncia foram implementadas no Quebec.

O estudo assinado por Yanick Charette e Ilvy Goossens, do centro de pesquisa do St. Joseph's Healthcare Hamilton, foi publicado no Journal of Criminal Justice.
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