Cientistas acabam de simular os sinais extremamente fracos emitidos pelo hidrogĂȘnio primordial durante as Idades das Trevas cĂłsmicas, este perĂodo que precedeu o acendimento das primeiras estrelas. Estas ondas de rĂĄdio fĂłsseis, quase indetectĂĄveis da Terra, poderiam revelar a verdadeira natureza da matĂ©ria escura graças a futuras missĂ”es lunares.
Uma equipe internacional desenvolveu simulaçÔes computacionais para estudar como as ondas de rĂĄdio de 21 centĂmetros emitidas pelo hidrogĂȘnio neutro durante os primeiros 100 milhĂ”es de anos do Universo poderiam trair as propriedades da matĂ©ria escura. Esta substĂąncia invisĂvel constitui cerca de 80% de toda a matĂ©ria cĂłsmica, mas ela nĂŁo interage com a luz, o que a torna extremamente difĂcil de observar diretamente. Os pesquisadores publicaram seus resultados na
Nature Astronomy , demonstrando que a força mĂ©dia do sinal de rĂĄdio depende fortemente da massa das partĂculas de matĂ©ria escura.
Se estas partĂculas sĂŁo muito leves, inferiores a 5% da massa de um elĂ©tron, a matĂ©ria escura Ă© dita "quente" e impede a formação de pequenas estruturas cĂłsmicas como galĂĄxias anĂŁs. Em contrapartida, partĂculas mais pesadas criam uma matĂ©ria escura "fria" que favorece o desenvolvimento de estruturas em pequena escala. Esta diferença se manifesta na maneira como o gĂĄs primordial se aglomerou durante as Idades das Trevas.
Comparação dos cenårios de matéria escura fria (esquerda) e quente (direita) mostrando a evolução das estruturas gasosas durante as Idades das Trevas cósmicas Crédito: Hyunbae Park
As simulaçÔes revelam como o gĂĄs se resfriou progressivamente durante a expansĂŁo do Universo enquanto formava aglomerados via interação gravitacional com a matĂ©ria escura. Nestas regiĂ”es densas, o gĂĄs se comprimiu e aqueceu, criando variaçÔes de temperatura e densidade que deixaram sua marca no sinal de rĂĄdio do hidrogĂȘnio. A equipe modelou este sinal e descobriu que sua intensidade mĂ©dia difere significativamente entre os cenĂĄrios de matĂ©ria escura fria e quente.
A detecção deste sinal sutil requer um ambiente de rĂĄdio excepcionalmente calmo, impossĂvel de encontrar na Terra devido Ă s interferĂȘncias humanas e Ă ionosfera que bloqueia as baixas frequĂȘncias. O lado oculto da Lua oferece ao contrĂĄrio um refĂșgio ideal, protegido das perturbaçÔes terrestres. VĂĄrias naçÔes desenvolvem atualmente missĂ”es lunares dedicadas Ă astronomia de rĂĄdio, incluindo o projeto japonĂȘs Tsukuyomi, que planeja implantar antenas de rĂĄdio em nosso satĂ©lite natural nas prĂłximas dĂ©cadas.
Sinal de rĂĄdio mĂ©dio do hidrogĂȘnio previsto 100 milhĂ”es de anos apĂłs o Big Bang para diferentes cenĂĄrios de matĂ©ria escura CrĂ©dito: Park et al.
As Idades das Trevas cĂłsmicas
As Idades das Trevas cĂłsmicas representam o perĂodo que seguiu imediatamente o Big Bang, antes da formação das primeiras estrelas e galĂĄxias. Durante esta era, o Universo estava preenchido por uma nĂ©voa de hidrogĂȘnio neutro que nĂŁo emitia nenhuma luz visĂvel, daĂ o nome de Idades das Trevas.
Este perĂodo durou aproximadamente 100 a 200 milhĂ”es de anos apĂłs o Big Bang, enquanto o Universo continuava sua expansĂŁo e resfriamento. O gĂĄs de hidrogĂȘnio primordial começava apenas a se organizar sob a influĂȘncia da gravidade, formando as primeiras estruturas que se tornariam mais tarde as galĂĄxias.
O hidrogĂȘnio neutro desta Ă©poca emitia porĂ©m uma radiação de rĂĄdio muito especĂfica a 21 centĂmetros de comprimento de onda, correspondente Ă transição entre dois nĂveis de energia do ĂĄtomo de hidrogĂȘnio. Este sinal de rĂĄdio fĂłssil constitui nossa Ășnica janela de observação direta sobre este perĂodo crucial da histĂłria cĂłsmica.
O estudo destes sinais permite aos astrÎnomos retroceder no tempo até os primeiros instantes da estruturação do Universo, bem antes do aparecimento das primeiras fontes luminosas.