O tempo geológico, geralmente considerado como um sistema de eras, períodos e épocas materializadas nos estratos rochosos, poderia na realidade seguir um modelo simples e unificador. De fato, um novo estudo conduzido pelo físico Shaun Lovejoy, da Universidade McGill, mostra que as divisões que marcam os eventos históricos mais importantes, tais como extinções em massa e mudanças climáticas maiores, seguem um modelo fractal, ou seja, autossimilar e estatisticamente consistente com escalas variando de milhões de anos a centenas de milhões de anos.
Esta descoberta poderia ter repercussões importantes sobre a maneira como os cientistas reconstroem o passado distante e antecipam o futuro da Terra.
"Estas divisões são os degraus que utilizamos para calcular a escala de tempo de praticamente todos os dados de que dispomos sobre o passado antigo", explica o físico. "No entanto, se não levarmos em conta a forma como estas divisões se agrupam no tempo, introduzimos vieses na nossa compreensão do clima, dos ecossistemas e das mudanças planetárias passadas."
O estudo, publicado na Earth and Planetary Science Letters, apresenta uma análise da cronologia dos tempos geológicos regionais e mundiais, incluindo a escala de tempo geológico (GTS2020) reconhecida internacionalmente. A equipa quantificou a cronologia dos eventos que marcam os 541 milhões de anos mais recentes, era denominada do éon fanerozoico. Constatou que a sua distribuição não era apenas hierárquica no sentido qualitativo, mas também fractal no sentido quantitativo, o que significa que nenhuma escala de tempo característica permite por si só definir os intervalos entre estes eventos maiores.
"Há esta multitude de eras, épocas, períodos e éons, mas na realidade, não há tempo característico", explica Shaun Lovejoy. "Descobrimos que estas divisões geológicas maiores podem ser explicadas por uma espécie de simetria: a simetria de escala no tempo."
"O mais excitante neste modelo é que as divisões do tempo geológico, apesar de causas próximas diferentes, respeitam a mesma lei de escala", explica Andrej Spiridonov, coautor do estudo e professor do Departamento de Geologia e Mineralogia da Universidade de Vilnius.
Uma nova conceção dos eventos climáticos e das extinções históricas A equipa construiu um modelo estatístico para simular a forma como estes eventos marcantes se acumulam ao longo do tempo. O modelo mostra que, embora os eventos não pareçam seguir nenhuma regra particular, seguem um padrão de agrupamento hierárquico mais geral. Esta observação ajuda a compreender por que certos intervalos nos cortes geológicos apresentam uma grande densidade de eventos, enquanto outros comportam longos períodos de inatividade.
Os resultados destacam também dois fenómenos distintos que os investigadores chamam os efeitos "Sadler". O primeiro, já conhecido, é o efeito da resolução: os cortes são menos completos em escalas de tempo mais finas. O segundo, que o presente estudo revelou, é o efeito do comprimento: em intervalos de tempo mais longos, os cortes se deformam. Por outras palavras, não só os estratos rochosos mais antigos apresentam mais "peças faltantes", mas além disso a forma como dividimos o tempo pode introduzir vieses sistemáticos.
"Se não levar em conta a estrutura fractal, a sua interpretação das mudanças no tempo será enviesada", salienta Shaun Lovejoy. "Esta é particularmente importante para a análise das mudanças climáticas, dos padrões de biodiversidade e dos episódios de extinção a partir de amostras de testemunhos."
A equipa de investigação visa melhorar os métodos de datação e interpretação do paleoclima e do paleoambiente dos cortes através de uma melhor compreensão da estrutura do tempo profundo. Os próximos passos consistirão em refinar o modelo e elaborar técnicas de correção que possam ser aplicadas a conjuntos de dados geológicos em grande escala.
"Há no conhecimento do passado chaves que nos podem permitir prever o futuro", conclui ele.