Esses micróbios em nossa boca têm efeitos surpreendentes sobre nossa saúde e longevidade

Por Gary Moran - Professor Associado, Ciência Dental, Trinity College Dublin

Nossa boca é um dos habitats mais diversificados do nosso corpo: ela abriga mais de 700 espécies de bactérias, sem contar leveduras, vírus e alguns protozoários. Essa comunidade microbiana constitui o microbioma bucal que, assim como o microbioma intestinal, pode influenciar nossa saúde.


As doenças mais comuns causadas por alterações do microbioma bucal são cáries dentárias e doenças gengivais. Ao longo dos anos, cientistas descobriram vários indícios sugerindo que o microbioma bucal também está ligado a muitos outros problemas graves que se manifestam em outras partes do nosso corpo.

Doenças respiratórias

O trato respiratório começa na boca e termina nos pulmões. Portanto, não é surpreendente que, em caso de proliferação do microbioma bucal, alguns dos micróbios que o compõem possam ser inalados e acabar nos pulmões.

Essa situação frequentemente leva a pneumonias. O risco de desenvolver essa infecção, muitas vezes fatal em idosos, tem sido associado a uma má higiene bucal, que resulta na proliferação de certas bactérias como Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae.

Estudos mostraram que melhorar a higiene bucal em asilos, bem como fornecer cuidados dentários (feitos por profissionais), pode reduzir o número de casos de pneumonia em um terço. Também é importante manter a limpeza de aparelhos dentários e outros dispositivos bucais (como protetores bucais para atletas).

Pesquisas também destacaram uma associação entre má saúde bucal e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), bem como alterações na função respiratória, devido às mudanças no microbioma bucal que essas condições causam.

Doenças cardíacas

A periodontite crônica é uma das condições mais comuns resultantes do microbioma bucal. Essa doença resulta da proliferação, devido à má higiene bucal, das bactérias presentes entre as gengivas e os dentes. Ela causa uma resposta inflamatória destrutiva, que ataca os ossos e tecidos que suportam os dentes, levando à perda dentária.

Por muitos anos, pesquisadores observaram uma associação estatística significativa entre periodontite e doenças cardiovasculares. Isso pode ser explicado por fatores de risco comuns entre as diferentes condições. Por exemplo, tanto a periodontite quanto as doenças cardíacas são mais frequentes em fumantes.

Uma hipótese é que as bactérias da periodontite poderiam se deslocar até o coração e causar uma infecção ali. Entretanto, os cientistas ainda estão tentando elucidar os possíveis mecanismos envolvidos.

Como mencionado anteriormente, a periodontite desencadeia uma resposta inflamatória intensa. Lembrando que a inflamação é uma das formas pelas quais o corpo combate infecções, produzindo células e sinais químicos necessários para uma boa resposta imunológica. Porém, inflamação excessiva pode ser prejudicial. Alguns pesquisadores acreditam que a inflamação causada pela periodontite pode danificar o sistema cardiovascular.


Um estudo revelou que o tratamento da periodontite reduz os níveis de inflamação no sangue e melhora significativamente a função arterial. Outras pesquisas também mostraram que o tratamento da periodontite reduz os níveis gerais de inflamação no corpo.

Essas pesquisas demonstram que uma doença bucal pode ter efeitos significativos na função de tecidos em outras partes do corpo. Dado que muitas pessoas convivem com periodontite não tratada por décadas, os efeitos nocivos sobre sua saúde podem ser substanciais a longo prazo.

Câncer de cólon

As bactérias bucais são capazes de viajar pelo estômago até os intestinos. Em geral, os micróbios que normalmente vivem na boca não são bem adaptados a esses novos ambientes e morrem rapidamente. No entanto, em 2014, dois estudos mostraram que tumores de câncer intestinal eram fortemente colonizados por uma espécie de bactéria chamada Fusobacterium, que normalmente está presente na placa dentária.

Esses estudos também mostraram que Fusobacterium tem alta afinidade para células cancerosas malignas. Esta bactéria consegue se ligar firmemente à superfície das células cancerosas e invadir o tumor. Desde então, vários estudos confirmaram que Fusobacterium pode colonizar tumores em todo o trato gastrointestinal.

Pesquisas mostraram que pacientes com câncer de cólon fortemente colonizados por Fusobacterium respondem pior à quimioterapia e têm uma expectativa de vida mais curta em comparação com aqueles que não são colonizados. Isso pode ocorrer porque tumores infectados por Fusobacterium são mais agressivos e, portanto, mais propensos a se espalhar do que aqueles não infectados.

A pesquisa continua para entender melhor essa relação e determinar se pessoas em risco de câncer intestinal poderiam se beneficiar de uma vacinação contra este micróbio bucal.

Doença de Alzheimer

Um dos vínculos mais controversos entre saúde bucal e patologia diz respeito à doença de Alzheimer.

Em pessoas com doença de Alzheimer, sofrer de uma periodontite crônica está associado a um declínio cognitivo mais acentuado. No entanto, dado que tanto a periodontite quanto a doença de Alzheimer são associadas ao envelhecimento, é difícil determinar se há realmente uma relação causal.

Contudo, em 2019, um estudo revelou que os cérebros de pessoas com doença de Alzheimer estavam colonizados por Porphyromonas gingivalis, uma das principais bactérias responsáveis ​​pela periodontite. O fato de que o cérebro, um órgão normalmente livre de microrganismos, possa ser infectado por bactérias bucais permanece controverso e necessita de mais pesquisas.

Além disso, como no contexto das doenças cardíacas, alguns especialistas sugeriram que a inflamação causada pela periodontite em pacientes com má saúde bucal poderia ser um fator agravante na doença de Alzheimer.

A importância de uma boa saúde bucal

Uma má higiene bucal pode ter múltiplas consequências prejudiciais para a saúde. No entanto, é possível controlar o microbioma bucal e, assim, prevenir as doenças associadas.

Para isso, é necessário adotar uma rotina de higiene bucal diária. Isso inclui escovar os dentes duas vezes ao dia e usar regularmente fio dental para controlar a placa e reduzir a incidência de cáries e doenças gengivais. Em relação a estas últimas, parar de fumar pode reduzir significativamente os riscos. Também é aconselhável consultar um dentista pelo menos uma vez por ano, para realizar uma limpeza dental profissional e receber orientações especializadas.

Seguir essas recomendações tornará seu sorriso mais radiante e poderá também prolongar sua expectativa de vida em alguns anos...