Uma nova cartografia da nossa galáxia acaba de revelar paisagens cósmicas nunca antes vistas, uma Via Láctea com cores sobrenaturais que transcende sua simples aparência de faixa leitosa no céu noturno. Esta visão inédita, nascida da colaboração entre duas campanhas de observação e de um processamento computacional sem precedentes, permite aos astrónomos ter uma nova visão dos mecanismos fundamentais que regem a vida estelar.
Esta representação excecional constitui o culminar de muitos anos de observações realizadas com o radiotelescópio Murchison Widefield Array, situado nas extensões preservadas da Austrália Ocidental. O estudo, publicado nas
Publications of the Astronomical Society of Australia, marca uma etapa significativa na nossa compreensão da estrutura galáctica ao combinar pela primeira vez as vantagens complementares dos levantamentos GLEAM e GLEAM-X. Esta fusão de dados exigiu cálculos extremamente complexos para harmonizar observações recolhidas em diferentes períodos.
A génese de uma imagem composta
O radiotelescópio Murchison Widefield Array, com as suas 4 096 antenas distribuídas por vários quilómetros quadrados, escrutinou o céu meridional entre 2013 e 2020. A primeira campanha, denominada GLEAM, tinha como objetivo estabelecer uma cartografia geral de todo o céu visível no hemisfério sul. Esta abordagem fornecia uma visão de conjunto, mas carecia de precisão para distinguir as estruturas mais finas que compõem o plano galáctico, esta região central onde se concentra a maior parte da atividade estelar.
A segunda campanha, GLEAM-X, beneficiou de melhorias técnicas substanciais que permitiram alcançar uma resolução muito superior. No entanto, esta precisão aumentada foi conseguida à custa da cobertura global, criando uma complementaridade natural entre os dois conjuntos de dados. Os astrónomos desenvolveram então um método inovador, chamado
image domain gridding, especialmente concebido para fundir estas duas visões parciais numa imagem coerente e detalhada.
O processo de integração dos dados representou um desafio sem precedentes, mobilizando mais de um milhão de horas de cálculo nos supercomputadores do Pawsey Supercomputing Research Centre. O algoritmo teve de corrigir as distorções induzidas pela ionosfera terrestre, que afetam de forma diferente as ondas de rádio consoante as condições atmosféricas e os períodos de observação. Este tratamento rigoroso resultou num mosaico que cobre 95% do plano galáctico austral.
O significado das cores cósmicas
A imagem final distingue-se pelo seu espetro cromático estendido, onde cada tonalidade corresponde a uma frequência de rádio específica e revela fenómenos astrofísicos distintos. Os tons alaranjados dominantes denunciam a presença de remanescentes de supernova, estas envoltórias gasosas expansionadas resultantes da explosão violenta de estrelas no final da vida. Estas estruturas, particularmente brilhantes nas baixas frequências, aparecem sob a forma de vastos círculos que brilham intensamente na paisagem galáctica.
As regiões azuladas, mais localizadas, sinalizam por sua vez berçários estelares onde nascem novas estrelas. Esta coloração específica provém da emissão de rádio das nuvens moleculares densas onde a temperatura ultrapassa vários milhares de graus. Entre estes dois extremos, as zonas esverdeadas correspondem a frequências intermédias e evidenciam estruturas híbridas onde coexistem diferentes processos astrofísicos.
Esta codificação colorimétrica permite uma identificação imediata das componentes maiores da nossa galáxia, oferecendo aos investigadores uma ferramenta visual imediatamente interpretável. A capacidade de distinguir claramente as regiões de formação estelar dos vestígios de estrelas desaparecidas abre novas perspetivas para o estudo do ciclo de vida das estrelas. Esta representação ultrapassa largamente o quadro estético para se tornar um instrumento de análise científica por direito próprio.