Um estudo internacional, conduzido por uma equipa de investigadoras e investigadores da Sorbonne Université, do Inserm, do CNRS e da Universidade McGill (Montréal, Canadá), permitiu identificar um mau funcionamento neurobiológico que pode conduzir à anorexia em um roedor.
Esta descoberta abre caminho para um possível tratamento desta doença psiquiátrica, que afeta milhões de pessoas e tem uma taxa de mortalidade muito elevada. Estas descobertas em animais estão em processo de validação em humanos, onde mais de uma dezena de pacientes estão respondendo positivamente ao tratamento. Este estudo é tema de um artigo publicado na revista
Nature Communications.
Apesar de sua elevada taxa de mortalidade, as bases neurobiológicas da anorexia nervosa ainda não são compreendidas, o que explica a inexistência de um tratamento farmacológico eficaz. Segundo um estudo recente, a anorexia pode ser causada pela formação excessiva de hábitos. Isto levaria então a uma perda de controle que faz a pessoa parar de se alimentar. A formação de hábitos é regulada por uma estrutura cerebral chamada estriado dorsal.
Este estudo foi conduzido no laboratório Neurosciences Paris Seine (Sorbonne Université/Inserm/CNRS), dirigido pela professora de neurociências Stéphanie Daumas (Sorbonne Université/Inserm/CNRS), e pelo investigador Nicolas Pietrancosta (Sorbonne Université/ENS/PSL University/CNRS) em colaboração com o pesquisador Salah El Mestikawy (McGill University/Douglas Mental Health University Institute/emeritus CNRS/Sorbonne Université).
Estes últimos utilizaram um modelo genético de ratos expressando uma mutação previamente identificada em pacientes humanos que sofrem de distúrbios psiquiátricos graves (distúrbios alimentares e dependência). O objetivo era compreender os mecanismos neurobiológicos subjacentes à anorexia.
Os investigadores identificaram um déficit de acetilcolina, um neurotransmissor, no estriado dorsal dos ratos que expressavam essa mutação. Estes ratos também desenvolviam uma tendência excessiva de formar hábitos. Isso se traduz numa redução drástica do consumo alimentar, com um modelo comportamental de anorexia utilizado em roedores, chamado "anorexia baseada em atividade" (ABA).
Os ratos foram tratados com um estimulador bem conhecido de acetilcolina, o donepezil (Aricept). A estimulação pelo donepezil bloqueia a degradação da acetilcolina, aumentando assim os níveis de acetilcolina no cérebro e no corpo. Com este tratamento, os ratos não desenvolviam mais comportamentos semelhantes à anorexia no modelo ABA.
Em resumo, este estudo em animais confirma a importância dos hábitos na anorexia nervosa e destaca um mecanismo neurobiológico, bem como um potencial tratamento para a anorexia nervosa com donepezil.
Para validar essas descobertas em humanos, um estudo independente está sendo conduzido para avaliar a eficácia do donepezil na anorexia nervosa. A doutora Leora Pinhas (psiquiatra em Toronto) tratou 10 pacientes com anorexia nervosa grave com donepezil. Desses pacientes, três apresentaram remissão completa, enquanto os outros sete tiveram uma melhora significativa em sua condição. Ensaios clínicos controlados por placebo serão realizados em 2024 no hospital Sainte-Anne, em Paris, na Universidade de Denver e na Universidade Columbia, em Nova Iorque.
Esta pesquisa pioneira permitiu uma melhor compreensão dos mecanismos neurais que podem conduzir não só à anorexia nervosa, mas também a outras patologias compulsivas, como a dependência ou os transtornos obsessivo-compulsivos. Os cientistas deste estudo esperam abrir caminho para tratamentos inovadores para outras doenças psiquiátricas graves num futuro próximo.