As proteínas funcionam como máquinas nas células, desempenhando várias funções. Elas são frequentemente constituídas por um conjunto de várias proteínas menores. "É como as peças de um motor", ilustra Philippe Després, primeiro autor do estudo recentemente publicado na
Science e doutorando na Faculdade de Ciências e Engenharia da Universidade Laval na época da pesquisa.
Duas cópias de uma proteína de levedura envolvidas em uma relação de codependência. Mutações de perda de função (em amarelo e vermelho) as tornam incapazes de funcionar sem trabalharem juntas.
Philippe Després
Para uma mesma função celular, a máquina proteica nos humanos geralmente possui mais componentes do que nas bactérias. "Poderíamos pensar que esses componentes foram adicionados pela seleção natural, que a complexificação é útil ou melhora o desempenho nos humanos. Mas essa não é necessariamente a verdade. A máquina bacteriana é muitas vezes mais eficiente, mesmo com menos componentes", destaca Philippe Després.
Embora a complexificação não tenha um impacto imediato na eficiência, os componentes adicionados precisam ser fabricados, o que demanda mais energia. A máquina, portanto, torna-se mais difícil de manter, de acordo com o jovem pesquisador, que realizou sua tese sob a supervisão do professor
Christian Landry.
Uma relação "tóxica"
Se não há valor agregado, quais mecanismos explicam a complexificação da máquina proteica nos humanos? Um modelo teórico, proposto há cerca de 20 anos, sugere que mutações aleatórias podem estar envolvidas.
"Em algum ponto da evolução, o gene que codifica uma das proteínas da máquina teria sido duplicado e depois sofrido mutações de perda de função. As novas proteínas codificadas por esses genes mutados desenvolveriam uma relação de codependência, uma relação tóxica. Em outras palavras, as duas cópias de proteínas precisam se reunir para desempenhar a mesma função que a única cópia ancestral", explica Philippe Després.
De acordo com o jovem pesquisador, essa teoria pode explicar a tendência das máquinas proteicas em humanos de se tornarem cada vez maiores com o tempo. "Esse mecanismo aleatório age um pouco contra a seleção natural", acrescenta.
Uma prova de conceito
Este modelo teórico de complexificação nunca havia sido demonstrado em laboratório até agora. Para conseguir isso, a equipe usou uma proteína da levedura como modelo. Os pesquisadores a submeteram a um processo de mutações e observaram que várias combinações levaram à codependência e à complexificação.
Menos de 1% das combinações desenvolveu uma relação de codependência para funcionar, um percentual maior do que a equipe esperava. "Parece pouco", admite o pesquisador. "Mas na escala de tempo da evolução, isso oferece muitas oportunidades para eventos de complexificação. O processo pode ser ainda mais comum do que pensamos."
A ideia de codependência nas máquinas proteicas pode ter implicações importantes para a pesquisa sobre o câncer. "Nas células cancerosas, ambas as cópias podem sofrer mutações de forma independente. Antigamente, se houvesse perda de função em ambas as cópias, supunha-se que o gene não era mais funcional. Agora, é preciso determinar se essas cópias ainda podem se reunir para formar uma máquina funcional", explica Philippe Després, atualmente pós-doutorando no Broad Institute em Boston e na Universidade de Guelph, em Ontário.
O "ponto alto", segundo o pesquisador, foi ter analisado a estrutura molecular das proteínas em nível atômico. "É uma resolução sem precedentes para estudar como as duas proteínas se reúnem para funcionar, apesar das mutações de perda de função." Ele destaca a colaboração da equipe do professor
Rong Shi do Departamento de Bioquímica, Microbiologia e Bioinformática da Universidade Laval.
Os outros signatários do estudo publicado na revista
Science são Alexandre K. Dubé, Marie-Ève Picard, Jordan Grenier, Rong Shi e Christian Landry.